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Plano Outono/Inverno assumido pelo Governo cria expectativas impossíveis de cumprir nos Cuidados Primários de Saúde

Os médicos dos Cuidados Primários de Saúde tiveram um papel essencial na contenção da epidemia em Portugal, diagnosticando e vigiando em proximidade a grande maioria dos doentes infectados ou suspeitos de COVID-19.

Graças a um enorme esforço e dedicação dos médicos, juntamente com outros profissionais, foi possível, ainda assim, manter as consultas de saúde infantil, de saúde materna, de situações agudas, assegurar a medicação crónica, exames e realizar domicílios inadiáveis.
Mas num contexto de listas de utentes sobredimensionadas, carências de recursos humanos, físicos, tecnológicos e financeiros, acrescida da eclosão epidémica da COVID-19, situações de atraso e ruptura são inevitáveis.
Os inevitáveis atrasos na resposta habitual e programada na área das doenças crónicas como, por exemplo, a diabetes e a hipertensão arterial terão consequências, que aliás não permanecerão silenciosas por muito mais tempo.

Ao mesmo tempo é criada a expectativa à população que os Centros de Saúde têm capacidade de resposta mantida! Que é possível atender todos os telefonemas, responder a todos os e-mails e acorrer a todas as solicitações!
Tal nunca foi possível dado o sobredimensionamento das listas de utentes!
Como o será agora que os médicos integram escalas de atendimento ao COVID na Comunidade, que vigiam os doentes infectados em plataformas electrónicas e estão limitados por procedimentos de triagem e espaçamento de consultas presenciais?
Como será possivel agora com a falta de recursos materiais e humanos?

Estas falsas expectativas, surgem na sequência de vários episódios de desresponsabilização por parte do Ministério da Saúde e estão a criar uma crescente tensão e conflitualidade nos Centros de Saúde.

Os médicos de família são insuficientes.
Fruto da sua exposição, também se contaminam e adoecem e as aposentações previstas a curto prazo são várias centenas.
A possibilidade de intersubstituição é inexistente e o burnout é um sério risco para os médicos, que continuam a dar o melhor de si, mas cuja capacidade é finita.
Neste contexto faz sentido a pergunta: O que foi feito nestes meses para reforçar o SNS em recursos humanos médicos? Nada!
Nem tão pouco se levou a cabo a contratação dos médicos recém-especialistas, com meses de atraso.
Como se pode esperar que se faça mais, com menos?

Este é o resultado duma planificação que continua alheia à colaboração dos profissionais de saúde. Com desajuste entre as necessidades e as medidas propostas, mas principalmente entre as medidas propostas e a realidade no terreno.
É incompreeensivel que ao mesmo tempo que são solicitados aos médicos esforços laborais desta monta, a Ministra da Saúde se recuse a receber os seus representantes.

A FNAM mantém o seu espírito propositivo e coloca em cima da mesa propostas que considera obrigatórias para encarar este evento pandémico e o futuro do SNS.
(Ver Comunicado da Comissão Nacional de Medicina Geral e Familiar da FNAM)
Realçamos:
- A necessidade urgente de diminuição das listas de utentes 
- A necessidade urgente de contratação dos médicos recém especialistas 
- Estabelecimento de medidas concretas para atrair aqueles que por diversas razões abandonaram o SNS
- A contratação de médicos para trabalho de vigilância através da plataforma Trace Covid e outro que possa ser assegurado na retaguarda 
- Um plano de recuperação da atividade assistencial em atraso

2 de outubro de 2020
A Comissão Executiva da FNAM

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Comunicado da Comissão Nacional de Medicina Geral e Familiar da FNAM

 

OS CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS EM PORTUGAL SÃO ESSENCIAIS

PARA ASSEGURAR O DIREITO UNIVERSAL À SAÚDE,

E ESTÃO A DEMONSTRÁ-LO NA ATUAL SITUAÇÃO DE PANDEMIA!

  1. Se a situação experienciada no SNS, nomeadamente nas áreas da Medicina Geral e Familiar e Saúde Pública, já era algo preocupante através de sobrecargas de trabalho progressivas por via, entre outras causas, de listas de utentes manifestamente sobredimensionadas, a eclosão epidémica através do vírus SARS-CoV-2 veio tornar ainda mais evidentes as carências de que falámos - recursos humanos, físicos, tecnológicos, financeiros deficitários e também problemas de organização / gestão que já existiam e eram bem conhecidos. Tudo isto associado a um quadro crescente de aposentações previstas para os próximos 3-4 anos.

2. Apesar deste quadro muito resumido, os CSP estiveram à altura da situação de crise, evitando taxas de incidência, internamentos e letalidade mais elevadas, como as que se verificaram em muitos outros países habitualmente classificados como “mais desenvolvidos”. Os médicos do SNS (de família, de saúde pública e hospitalares), juntamente com outros profissionais de saúde tiveram um papel essencial na contenção da epidemia em Portugal, vigiando em proximidade, ou tratando em internamento, a quase totalidade dos casos.

A prioridade de dar resposta à pandemia, conforme as orientações do Ministério / DGS, foi claramente assumida e globalmente cumprida através dos profissionais dos nossos serviços públicos de saúde (SNS).

Até quando? …É uma primeira e amargurada interrogação que deixamos ao Governo, enquanto estrutura sindical médica preocupada e empenhada na busca das melhores soluções.

3. Apesar do enorme acréscimo de esforço e dedicação dos médicos e de outros profissionais de saúde ao nível dos CSP, foi possível manter grande parte das consultas de saúde infantil, de saúde materna, de situações agudas, assegurar a medicação crónica, exames e realizar domicílios inadiáveis.

Claro que se verificaram inevitáveis e penalizadores atrasos na resposta habitual e programada na área das doenças crónicas como, por exemplo, a diabetes e a hipertensão arterial.

Era previsível e inevitável que, ao fim de pouco tempo, com os mesmos recursos para um crescendo de solicitações e num contexto de enormes desafios, se iriam acumular tensões negativas, défices no acesso e mesmo ruturas.

Os profissionais de saúde, fruto da sua exposição, também se contaminam e adoecem e podem ter de estar sujeitos a situações de confinamento / quarentena / internamento, como se tem verificado através dum número significativo de casos.

Os médicos de família particularmente, em consequência do grupo etário em que uma boa parte deles se situa, integram, em muitos casos, grupos de risco que há que prevenir e/ou tratar, tal e qual a população em geral. Daí resulta que nas unidades de saúde mais pequenas seja por vezes difícil assegurar intersubstituições principalmente nas regiões mais isoladas e do interior e que pequenas unidades com um ou dois médicos sejam obrigadas a fechar portas mesmo que temporariamente.

A recuperação entretanto iniciada ou pelo menos tentada, a partir de maio-junho foi limitada também pelo período de férias e, recorde-se, não foi criado para os CSP nenhum plano de recuperação das atividades inevitavelmente adiadas desde o início da pandemia.

4. A pandemia criou uma situação nova, com implicações no bem-estar das pessoas, físico e psicológico, com repercussões sociais, económicas e culturais a nível da população em geral e dos próprios profissionais de saúde, que também são pessoas, têm famílias, têm filhos, têm pais e têm doenças...!

A pandemia obrigou a uma reorganização das equipas de Saúde Familiar, para trabalhar nos ADC (Atendimento Dedicado a doentes com suspeita de Covid-19), e assegurar o cumprimento do Trace Covid (instrumento de vigilância no domicílio das pessoas com suspeita ou doença ligeira).

Apesar da maior oferta de cuidados, somando as consultas presenciais e o brutal aumento das não presenciais (telefones institucionais e privados, SMS, e-mails, outras plataformas comunicacionais Web, …) ela revelou-se insuficiente para a maior procura e para as maiores necessidades sentida pelas pessoas.

5. Vivemos um momento particularmente delicado, atendendo ao início do ano escolar, ao período de outono/inverno e à situação social, económica e cultural, criada pelo desemprego, pela diminuição de rendimentos da maioria das pessoas e pela ansiedade mais ou menos generalizada criada na população.

É neste quadro que o Plano Outono/Inverno apresentado pelo Governo / Ministério da Saúde é uma desilusão, quando e porque ignora as condições reais do trabalho nos Cuidados de Proximidade, sem uma única medida que concretize quais os novos recursos, particularmente humanos, para responder à maior carga de trabalho necessária, mas também qual o investimento previsto a nível de instalações e equipamentos que garantam a segurança, qualidade e eficiência indispensáveis nos CSP. (Por exemplo, para quando esperar um "atendimento telefónico qualificado e dedicado" que não deixe os cidadãos exasperados com as suas obsolescências, seja para a "teleconsulta e telemonitorização", seja enquanto simples “via eletrónica de comunicação por voz” eficaz. E os quiosques eletrónicos? Projeto definitivamente esquecido ou abandonado?

6. A FNAM tem dois compromissos sociais fundamentais e interdependentes: Um para com o Serviço Nacional de Saúde (SNS), garante constitucional do direito à saúde do povo português e outro para com os médicos que são o seu principal suporte, organizados em equipas com outros profissionais de saúde.

Sem nunca pôr em causa estes princípios, a FNAM exige do ministério da saúde e do governo, as medidas políticas que salvaguardem a qualidade e proximidade do SNS através da continuidade e aprofundamento da “Reforma dos CSP”, de modo a que seja possível superar a atual situação de exaustão e angústia que se vive atualmente nos CSP.

7. Propostas concretas da FNAM, junto do poder político, incluindo a Assembleia da República:

7.1 - Urgente contratação dos MF recém especialistas. Medidas concretas para atrair aqueles que por diversas razões abandonaram o SNS em determinado ponto do seu percurso profissional.

7.2 – Padronização efetiva e urgente das listas de utentes dos médicos de família começando por corrigir, numa primeira fase, os erros técnicos e contradições grosseiras constantes no Decreto-Lei n.º 266-D/2012 numa lógica de avaliar e possibilitar a comparação da dimensão das listas de acordo com a “carga de trabalho” estimada, e não exclusivamente pelo número absoluto dos seus integrantes conforme tem vindo a acontecer desde 2012. O Ministério da Saúde tem de reconhecer que a experiência acumulada ao longo de 8 anos recomenda uma diminuição sustentada das listas de utentes começando pelos jovens médicos de família a colocar nas próximas semanas a quem não devem ser atribuídas listas de dimensão máxima como tem vindo a acontecer, por regra, desde 2013.

7.3 - Médicos para assegurar os ADC (ou ADR segundo a nova designação dada no plano outono/inverno) - por exemplo médicos que ficaram de fora em anteriores concursos e saíram do SNS.

7.4 - Médicos para trabalho de vigilância através da plataforma Trace Covid e outro que possa ser assegurado na retaguarda, com horas especialmente contratadas / dedicadas a esse fim!

7.5 - Recuperação de vigilância de diabéticos e hipertensos em atraso - por exemplo horas contratadas com os MF, à semelhança do plano criado para recuperação de listas de espera nos hospitais.

7.6 - Contratação de assistentes operacionais, assistentes técnicos, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais e outros profissionais de saúde há décadas identificados como estrategicamente decisivos para o desenvolvimento dos CSP e consequente sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.

7.7 - Desenvolvimento de projetos de "Integração de Cuidados" centrados nas necessidades dos doentes, incluindo financiamento de projetos de “+ resolutividade” nas unidades de proximidade, como por exemplo, condições para consultas domiciliárias, centros de diagnóstico nos ACeS, Psicologia Clínica, Saúde Oral e Visual, Reabilitação, …

O Ministério da Saúde tem ainda de apostar num verdadeiro projeto de Literacia destinado aos cidadãos-utilizadores do SNS, bem como proteger os seus profissionais, nas suas múltiplas apresentações, competências, obrigações e nível de exposição, de riscos expressos de modo crescente através de ameaças, coação e violência psicológica e física.

Na situação atual e com a evolução previsível é inaceitável que o MS venha falar em “maximização dos CSP" e que pretenda conciliar as atividades "normalmente" contratualizadas, com o acréscimo de solicitações decorrentes da pandemia. Tal afirmação revela uma atitude de desrespeito pelos médicos de família e de saúde pública e pelo seu empenho e dedicação na resposta à pandemia.

Só se “leva ao máximo” quem ainda não o atingiu. Não é o caso. Os médicos de família e de saúde pública estão exaustos e não aceitam ser coniventes com o agravamento da situação da saúde e a potencial incapacidade de resposta, caso não sejam tomadas as medidas que propomos!

A FNAM responsabiliza o MS pela atitude e comportamento de recusar uma negociação séria e empenhada em defesa do SNS e dos seus profissionais médicos, para a qual sempre esteve e está disponível.

 

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