Médico de família

PETS vai agravar a falta de médicos de família

O Plano de Emergência e Transformação na Saúde (PETS) não vai garantir médicos de família a todos os que vivem em Portugal.

A Medicina Geral e Familiar é um dos pilares do Serviço Nacional de Saúde, mas os pressupostos do PETS abrem caminho para o agravamento dos problemas, em vez do aproximar de soluções.

O PETS diz “assegurar o acesso a um médico para quem mais precisa” e que quer “fomentar a prevenção e diagnóstico antecipado”. Para tal “propõe-se afetar Médicos de Família ou médico assistente aos utentes que mais precisam, maximizando a capacidade do setor público e garantindo que cada vez mais cidadãos tenham acesso a um médico que os acompanha de forma regular.”

No entanto, os Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal encontram-se sediados nos Centros de Saúde (CS) e prestam cuidados globais, continuados e preventivos à população, sendo estes prestados por equipas multiprofissionais, em que os médicos são detentores da especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF), sendo inexistente a nomenclatura de médico assistente. Portanto, apenas um especialista em MGF pode ser responsável por um ficheiro de utentes, logo exige-se a retirada da nomenclatura de médico assistente do documento.

O PETS pretende “a criação de uma linha de atendimento dedicada proporcionará um acesso mais rápido e direto aos serviços médicos necessários, enquanto a implementação de USF modelo C contribuirá para uma maior eficiência e qualidade no acompanhamento dos utentes.”

A linha SNS 24 já é uma linha dedicada, que se encontra em estreita ligação com os CS, em que as Unidades de Saúde Familiar (USF) já dispõem de meios complementares à consulta presencial, tais como as consultas telefónicas ou o correio eletrónico. Para que estes meios possam funcionar em plenitude é necessário reforçar os quadros de Administrativos Técnicos (AT) e melhorar os meios informáticos que ainda são, em muitos casos, obsoletos.

Já a implementação das USF C apenas deverá avançar, quando todas as USF de todos os CS do país tiverem as condições ideais para dar resposta de excelência à população que a ela recorre. Para tal é fundamental o cumprimento da legislação no que concerne ao alargamento da lista de utentes, respeito pela autonomia das USF, melhoria das condições físicas dos edifícios dignos, bem como o acesso a dispositivos médicos e farmacológicos necessários, para além da formação contínua dos seus profissionais.

O PETS aponta a intenção de “Reforçar a capacidade de resposta e fomentar a eficiência dos cuidados de saúde primários”, dando como exemplo “a integração de parceiros do setor social e a colaboração com entidades privadas ou público-privadas, exemplificada pela colaboração com o Hospital de Cascais (PPP), são medidas cruciais para reforçar a capacidade de resposta dos cuidados de saúde primários.” Quer também envolver a “experiência dos profissionais aposentados, ao reintegrá-los no sistema”. Refere ainda que “a promoção do regime voluntário de carteira adicional de utentes são também estratégias que incentivam a participação activa dos profissionais de saúde no acompanhamento de um maior nº de utentes.”

A FNAM reitera que as medidas cruciais para reforçar a capacidade de resposta dos CSP, consiste em investir nos CS e não em entidades que não estão dedicadas aos cuidados preventivos e promoção da saúde, como é o caso da PPP de Cascais. Cumulativamente, existem vários exemplos de sucesso no SNS que nos mostram como devem os Centros de Saúde articular com os Hospitais.

Já a valorização da experiência dos médicos aposentados, deve ser aproveitada somente para funções de consultoria e como médico de apoio às Unidades que fiquem temporariamente sem médico (ex.: baixa prolongada, direitos parentais, etc.) e não como medida estrutural.

Relativamente às Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP), bem como as novas USF é crucial que as Equipas Nacionais de Acompanhamento (ENA), entrem em funções como definido na Lei. A carteira adicional de utentes prevista no PETS, não é uma medida nova, uma vez que o alargamento da lista de utentes já está previsto no DL 103/2023 com a adesão individual voluntária à dedicação plena, algo que não está a ser cumprido em várias ULS.

Por fim, o PETS, aponta ainda medidas urgentes como a “Atribuição de Médicos de Família aos utentes em espera com a capacidade atual do setor público”, onde argumentam que “a capacidade atual do setor público, embora limitada, pode ser otimizada através da implementação de medidas que visam a eficiência e a precisão na gestão dos recursos disponíveis. Uma dessas medidas inclui a atualização das listagens de utentes, reformulando a atribuição de médicos de família a utentes não frequentadores dos cuidados de saúde primários, nomeadamente residentes estrangeiros e não-residentes sem registo de consulta médica nos cuidados de saúde primários há mais de 5 anos.”

A “limpeza dos ficheiros médicos” realizada pela ACSS, tem em conta outros critérios, independentemente se os utentes tiveram consulta no espaço de 5 anos. Temos como exemplo utentes que estão temporariamente fora do país, e que tiveram consulta há menos de 5 anos. Estes utentes que sempre tiveram MGF, passarão a ser classificados como “esporádicos” e deixam de ter médico de família brevemente.

O princípio da universalidade da prestação de cuidados no SNS é ainda colocado em causa, uma vez que utentes estrangeiros com nº de utente, nº segurança social atribuído não têm direito a ter um médico de MGF, por não conseguir em tempo útil a autorização de residência.

Assim, a “limpeza de ficheiros” irá aumentar o nº de utentes sem MGF, e retira aos MGF utentes que já seguem de forma regular.

O “reforço da resposta pública dos Cuidados de Saúde Primários em parceria com o setor social”, com o objetivo de “aumentar a resposta pública dos cuidados de saúde primários com vista a garantir o acesso equitativo aos serviços de saúde essenciais, de forma regular, quando o utente necessitar”. Para o fazer propõe um “protocolo que permitirá a atribuição de um médico assistente a um total de 350 mil utentes em instituições do setor social”.

Na lógica do Ministério da Saúde de Ana Paula Martins, responsável máxima pelo PETS, o elevado número de utentes que a “limpeza de ficheiros” vai engrossar serão canalizados para o sector social, passando estes utentes a ter apenas acesso a uma medicina curativa “apenas quando precisam”.

As medidas contempladas no PETS, além de não fortalecerem os CSP, colocam em causa os cuidados preventivos e a manutenção dos excelentes indicadores de saúde, a nível internacional, em que Portugal se destaca.

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