O Conselho Nacional da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) identifica o momento presente como fulcral para o futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e da saúde dos portugueses.
É essencial avaliar os problemas atuais e as medidas propostas para os resolver.
Plano de Recuperação e Resiliência
O papel insubstituível do SNS é agora evidente, até para os mais céticos. Este é o momento para lhe dar prioridade e para investir verdadeiramente na sua capacitação. É esse propósito que se esperaria ver refletido num «Plano de Recuperação e Resiliência».
Contudo, para além das insuficiências conhecidas e sobre as quais a FNAM se manifestou em tempo próprio, há, afinal, uma outra face do plano, com compromissos que não foram colocados à discussão pública e que pouco lhe acrescenta de positivo.
A uma proposta de investimento no SNS flagrantemente insuficiente, acresce agora um evidente compromisso para uma «compressão» da despesa, lembrando tempos de má memória para o SNS e para os portugueses.
De forma inusitada, este plano infiltra propostas completamente fora de propósito e cuja presença se estranha neste contexto.
Destacamos, pela negativa, a intenção de criar um órgão de supervisão das ordens profissionais, por membros externos à mesma. Um claro ataque à autorregulação e completamente inaceitável quando estão em causa matérias como reconhecimento de habilitações e matérias disciplinares. Também inaceitável para a FNAM é a ingerência de «personalidades externas» no processo de avaliação dos estágios profissionais, conforme sugerido neste plano.
São propostas que desregulariam o exercício da medicina, colocando-o à mercê das veleidades políticas do momento. Algo que a FNAM repudia veementemente.
Medidas excecionais para o combate à pandemia
Em relação à instituição de medidas excecionais com reflexo nos direitos laborais dos médicos, justificadas com o período pandémico, é lamentável que em nenhuma altura o Ministério da Saúde tenha sequer informado os Sindicatos previamente.
A substituição do exercício de negociação com os Sindicatos – que nunca esteve vedado pelos estados de emergência – pela simples publicação de decretos e portarias que limitam os direitos laborais dos médicos, representa bem a postura que este ministério tem assumido em relação aos médicos e suas estruturas representantes.
Os médicos mostraram uma abnegação ímpar nestes tempos difíceis. Também a FNAM tem demonstrado integral respeito pelas necessidades do país e da população. O mínimo que se exige da tutela é o respeito recíproco pelos trabalhadores médicos e pelo seu Acordo Coletivo de Trabalho.
«Prémios, subsídios e suplementos COVID»
Têm sido amplamente anunciadas pelo Governo medidas que supostamente compensariam o esforço extraordinário dos profissionais de saúde no combate à pandemia COVID.
É necessário desmascarar o desfasamento entre esta propaganda e a realidade:
- De um «prémio de desempenho» que em mais de um ano de pandemia se cingiu a um período de poucas semanas, com critérios cumulativos que excluíram a maioria dos médicos;
- De um «subsidio de risco» de valor irrisório, limitado no tempo e por critérios tão específicos que a poucos se aplica;
- De um suplemento relativo às horas extraordinárias, que leva a discriminação entre os médicos e com um curtíssimo limite temporal.
São medidas propagandísticas, de impacto mínimo, que defraudam os médicos, as intenções do Parlamento e geram uma falsa imagem nos portugueses.
É preciso deixar bem claro que tais medidas nunca foram solicitadas nem apoiadas pela FNAM. É posição da FNAM que este tipo de medidas seja enquadrado num regime de risco, penosidade e desgaste rápido, que acompanhe a Carreira Médica. Apresentamos, aliás, uma proposta nesse sentido, que não mereceu qualquer resposta por parte do Ministério da Saúde.
Cuidados Primários e a pandemia de SARS-CoV-2
O papel dos Cuidados Primários no combate a esta pandemia tem sido sistemática e permanentemente subvalorizado.
A importância dos Médicos de Saúde Pública dispensa palavras e o seu volume de trabalho ultrapassa tudo o que é razoável.
E, no entanto, neste contexto dificílimo, em que interessaria, de uma vez por todas, valorizar esta área da Carreira Médica, o que temos a registar?
- Uma interpretação abusiva sobre as obrigações da disponibilidade permanente;
- Uma proposta irrisória de suplemento para Autoridade de Saúde Pública.
Quanto aos Médicos de Família que foram a base do acompanhamento e diagnóstico comunitário da maioria das situações desta pandemia, não teve o Ministério da Saúde a coragem de informar adequadamente o público sobre as limitações existentes neste sector, deixando criar a perceção pública de que os centros de saúde estariam a trabalhar abaixo das suas capacidades. Uma das grandes mentiras desta pandemia.
Com dezenas de contactos e registo diário em plataformas informáticas, atendimento em Áreas Dedicadas aos Doentes Respiratórios na Comunidade (ADR-C) e, simultaneamente, tentando dar resposta ao compromisso assistencial com os seus doentes, navegando entre os constrangimentos para consultas presenciais e a insuficiência de recursos humanos e técnicos, criou-se uma situação de dificil gestão.
A tudo isto veio somar-se o processo de vacinação – que todos esperamos seja um sucesso e que possa decorrer no Serviço Nacional de Saúde –, mas para o qual são necessários mais meios porque, logisticamente, com os recursos atualmente disponíveis é impossível mantê-lo a médio/longo prazo, em simultâneo com cumprimento e recuperação da atividadde assistencial diária.
Neste contexto, mais que a registar, temos a lamentar:
- A ausência de progressão das USF A para modelo B, em 2020;
- As propostas de contratualização em que não são tidas em conta as atividades de combate à pandemia;
- A abertura nula para a possibilidade de redimensionar as listas de utentes dos médicos de família para níveis sustentáveis.
É necessário colocar as ações no lugar das palavras e valorizar efetivamente os Cuidados de Saúde Primários.
Um verdadeiro investimento no SNS e melhores condições para os médicos que a ele se dedicam são condições essenciais para que este tenha um futuro.
É urgente uma mudança radical de postura por parte da Ministra da Saúde, que mantém as portas do diálogo encerradas.
A FNAM está, como sempre esteve, do lado da negociação responsável, em nome dos médicos, dos seus doentes e do Serviço Nacional de Saúde
2 de junho de 2021
A Comissão Nacional da FNAM